Sumário

segunda-feira, 17 de junho de 2019

CERCA de PORTIMÃO
"Coisas e Loisas" é um espaço em que se pretende recordar coisas sabidas de todos mas de que nem sempre nos lembramos, por isso mesmo é um tempo e um lugar para partilhar memórias.








1 - Este blog e todos os outros da minha pena não respeitam  deliberadamente o acordo ortográfico.

CERCA DE PORTIMÃO
2 - Neste "post" os arruamentos actuais não são exactamente os do séc. XV / XVI pelo que a localização de Portas, Postigos e Muralhas podem afastar-se ligeiramente dos primitivos.

3 - Este post pretende fazer um levantamento da Cerca / Muralha de Portimão -Séc. XVI- cerca essa, hoje praticamente inexistente ou oculta no casario fruto do crescimento de Vila Nova de Portimão.

Nota: Para o caso de querer navegar por mais "coisas & loisas" calque nos links abaixo



INTROITO 

O presente trabalho trata de alguns aspectos da fortificação de Vila Nova de Portimão, hoje praticamente inexistente ou oculta no casario, consequência, sobretudo, dos terramotos do século XVIII, da expansão da povoação, do aproveitamento de alguns dos materiais de alvenarias da cerca e consequente derrube a fim de facilitar a circulação de pessoas e mercadorias, bem como a organização de novos arruamentos, mudanças  que vieram alterar em muito  o conjunto quatrocentista da povoação e afectando ainda mais aquela estrutura militar.

CERCA URBANA DE PORTIMÃO


Autores da Planta: Francisco Carrapiço, José Brázio e Jaime Palminha (Adaptada)


Simples lugar de pescadores, nos meados do século XV, menos de cem anos depois Portimão assumia-se já como a 4ª maior povoação do litoral algarvio com 634 vizinhos
A 10 de Abril de 1476, D. Afonso V concedeu Vila Nova de Portimão a um seu vedor da Fazenda, D. Gonçalo Vaz de Castelo Branco, obrigando-o a fortificar a localidade com um castelo e muralhas.
 Ao que tudo indica, a área amuralhada era superior a 6 hectares e definia um polígono irregular (*) que acompanhava a margem do rio e englobava a parte mais alta da vila, onde se situava a Igreja Matriz, também ela mandada edificar por Gonçalo Castelo Branco. A quase totalidade das muralhas foi destruída ao longo dos tempos, restando pequenos troços, entre prédios e muros de propriedades.
Nos dias de hoje o principal troço remanescente localiza-se entre a Porta da Serra e o Postigo dos Fumeiros, conservando ainda parte do caminho de ronda da fortaleza. 
Um segundo troço, entre o Postigo da Igreja e a Porta de São João, mantém-se ainda parcialmente, bastante danificado e suprimido por construções posteriores

(*) A cerca de Portimão, de forma triangular,  tinha cerca de 1100m de perímetro, 4 portas torreadas e  3 postigos,  uma frente para o Rio Arade ou de Silves e duas outras para Norte e Poente.
No vértice N - Porta da Serra, no vértice S - a Porta de São João e no vértice Nascente - o Postigo dos Fumeiros.

4 Portas e 3 postigos

Porta de S. João, Porta da Serra, Porta da Ribeira, Porta do Corpo da Guarda.

Postigo da Igreja ou de São Sebastião, Postigo dos Fumeiros e Postigo de Santa Isabel.


Porta da Ribeira 
Rasga a muralha ao cimo da actual Rua Serpa Pinto e sobe em direcção à actual Rua Professor José Buísel, 
A cerca assentava, mais ou menos a meio, entre esta rua e a Rua do Forno (Forno dos Fumeiros)


Postigo dos Fumeiros 
Entrada do lado Nascente da muralha sensivelmente onde hoje confluem as Ruas Professor Buísel e Rua do Forno (Forno dos Fumeiros, antiga designação)  em frente à Praceta F. Maurício, junto  à Ponte Velha.


A cerca assentava entre estas duas ruas até à Porta da Serra e seguia, na parte terminal, pela Rua da Fábrica. indo confluir com as ruas Porta da Serra e  Machado Santos.

Postigo dos Fumeiros
Também funcionavam na cidade algumas pequenas fábricas/armazéns os chamados fumeiros de preparação de frutos secos (figo, amêndoa, alfarroba) acondicionados em seiras (cestas de palma, vulgo "empreita" (indústria doméstica de manufactura de trabalhos de entrançado em palma ou esparto), feitas por velhinhas à porta das suas casas para melhoria dos seus magros rendimentos, e que ocupavam também homens,  mulheres e crianças.
Os fumeiros eram, portanto, armazéns onde se procedia ao tratamento do figo, amêndoa e alfarroba para conservação e posterior exportação.
Ora, era nesta zona que se localizavam inúmeros armazéns deste tipo, daí o patronímico "postigo dos fumeiros" pequena abertura rasgado neste troço da cerca para permitir a passagem a pé de pessoas e mercadorias.

Porta da Serra
No entroncamento da actual Rua da Fábrica com a Rua Machado Santos e Rua da Porta da Serra ficaria a PORTA da SERRA e como todas as outras portas defendida com dois  torreões  dando acesso ao caminho para a Serra de Monchique 



... e mais ou menos nas traseiras desta rua, Rua Machado Santos, corria a cerca em direcção à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição passando em frente ao adro onde se erguia o primitivo pelourinho de Portimão e, para facilitar o acesso à Igreja, foi aberto um postigo que permitia a passagem das pessoas


Postigo da Igreja ou de São Sebastião


A muralha passaria entre as casas da actual Rua Diogo Tomé e Dr. Ernesto Cabrita

Porta de São João



Porta de São João - rasgaria a Cerca no cruzamento da Rua Diogo Couto / Rua Direita, Rua da Porta de São João (Há quem opine que esta porta estaria no cruzamento da actual Rua Dr. Ernesto Cabrita com a Rua Direita na esquina do antigo edifício da Farmácia Dias com a Praça 1º de Dezembro) 
A foto abaixo pretende dar uma ideia mais provável da localização desta porta



Porta da Guarda



 e  virava para a Porta da Guarda sita na actual Rua 5 de Outubro entre o edifício da Caixa Geral de Depósitos e o Correio

Postigo de Santa Isabel 


Postigo de Santa Isabel no entroncamento da Rua Serpa Pinto com a rua do mesmo nome.

Rua de Santa Isabel (vista de Poente para Nascente) - Em destaque casa brasonada com Porta Manuelina - Nº 106


Os muros tinham troços entre 40 a 50 metros de comprido em forma de dentes de  serra;  era sobretudo uma muralha defensiva com uma área de cerca de 6,5 Ha, constituída por pedras de características pobres, coladas com argamassa com lances de diferentes tipos de construção e  uma espessura à volta de 1,60 m e uma altura entre 5 e 6 metros com caminho de ronda com cerca de 1 metro de largura e portas protegidas por 2 torres

Muralha de Portimão na actual Rua Ernestro Cabrita (interior do edifício) 
Muralha medieval com parte do caminho de ronda. Obras de construção na Rua Dr. Ernesto Cabrita
Pano de muralha recentemente posto a descoberto (séc.XXI) (Rua Dr. Ernesto Cabrita

Um pano da muralha tardo-medieval de Vila Nova de Portimão, bem como parte do caminho de ronda da antiga zona fortificada, foram postos a descoberto (segunda década do séc. XXI) durante as obras de construção de um Hostel Cultural, na Rua Dr. Ernesto Cabrita, promovidas pela Academia de Música de Lagos/Conservatório de Música de Portimão



Portimão, pano de muralha, Interior do edifício da Instituto Manuel Teixeira Gomes, ao lado ainda se pode visitar a cisterna
(Entrada pela Rua Dr. Estêvão de Vasconcelos)


Quando falamos em muralhas de Portimão empregamos 3 tempos verbais:
... a muralha passa (raramente)
... a muralha passava (mais frequentemente)
... a muralha passaria (frequentemente)

O Presente (raramente)
O Imperfeito (algumas vezes)
O Condicional (menos frequentemente)

Isto mostra como é difícil precisar o traçado das muralhas pela destruição da cerca da vila sofrida ao longo dos tempos sobretudo depois dos terramotos do século XVIII:
- de 6 Março de 1719, 
- de 27 de Dezembro de 1722 
- e 1 de Novembro de 1755  
e ao mesmo tempo que a povoação se ia expandindo para fora da cerca.
Os materiais de construção da cerca remetiam-se ao tipo de rochas do local e que não eram lá muito nobres.
Calcário pobre com pedras sustentadas por barro e argamassa o que justifica em muitos casos a relativa  facilidade do derrube do muro que para pouco já servia de protecção e se tornava um obstáculo à expansão da povoação, ordenamento das ruas e circulação de pessoas, animais e mercadorias..

Era numa ceira como esta, de fabrico artesanal, que há mais de 500 anos se acondicionavam os frutos secos, nomeadamente figos, 


PORTIMÃO - INDÚSTRIA CONSERVEIRA

Falar de economia de Portimão, é falar de turismo, pesca, desenvolvimento imobiliário e urbanístico. Portimão é um município que tradicionalmente sempre viveu da pesca e das actividades relacionadas com a pesca, mas actualmente o turismo é a actividade económica principal em Portimão.


Ao longo dos tempos muitas têm sido as fontes de riqueza da capital do Barlavento e de um modo geral a girarem à volta do mar e da agricultura

O Homem sempre  conservou  alimentos:
Ou secos, ou salgados, ou defumados, ou conservados em barricas ou latas, ou congelados.



Hoje, vamos recuar aos finais do século XIX aos finais do século XX e falar de conservas de peixe PORTIMÃO, terra onde os silvos das sirenes das fábricas se faziam ouvir, tanto de manhã, como de tarde ou à noite, consoante a chegada do peixe que tinha necessidade de ser preparado e não podia esperar. 



Ano de 1907 - Fábricas no Algarve



Lagos - 10

Portimão - 3
Albufeira - 1
Faro - 2
Olhão - 7
VRSA - 6


1917 - Tavira 2 - 1922 +1 = 3 


Em 1917 havia no Distrito de Faro 80 Fábricas de Conservas de Peixe assim distribuídas:
Albufeira 2; Faro 2; Lagoa 9; Lagos 13; Quarteira 3; Olhão 34; Armação de Pêra 1; Tavira 2; Portimão 6; VR Santo António 8


Em todo o Algarve, em termos fabris - Peixe e Cortiça - há registos de mais de 200 fábricas   e  entre 30 a 50 mil operários


Obs
Em 1900, Tomás Cabreira dá-nos a existência de uma população de 255.191 para o Algarve e em 1910 de 272.891 
(Ver quadro, final do texto)
Pesca - Indústria conserveira - 



1 - Fábrica de São Francisco (Júdice Fialho) (15-05-1904)
2 - Fábrica Facho (Facho Ldª) (1923- 1981)
3 - Fábrica São Francisco (Feu Hermanos) (1902-1980)
4 - Fábrica Merconhil (Bivar & Cª Ldª)
5 - Fábrica Liberdade (Liberdade Ldª) (Mendes, Ferran & Furtadi Ldª)
6 - Fábrica Encarnada (Portugália Industrial, Ldª)
7 - Fábrica Esperança (Cristóvão de Brito & Gomes, Ldª)
8 - Fábrica A Portuguesa, (Empresa Fabril de Conservas, Ldª)
9 - Fábrica da Marinha (Severo Ramos, Ldª)
10 - Fábrica de S. José (Júdice Fialho, Ldª) (1892)
11 - Litografia Fialho
12 - Fábrica de Santa Catarina (Sociedade de Conservas Stª Catarina e posteriormente do Manuel do Ó)
13 - Fábrica da Boa Vista 



A Indústria das Conservas de Peixe tinha como produtos principais:  sardinha, cavala, atum,  biqueirão, lula e choco
Actualmente (inícios do séc XXI) em laboração no Algarve, restam 3 Fábricas
1 em Vila Real de Santo António 

2 em Olhão
e
1 de fabrico artesanal no Parchal
No Parchal, em 2015 , très artesãos conserveiros   reuniram-se e construíram uma unidade artesanal do fabrico de conservas, tudo com produtos locais desde o peixe, até ao sal e passando pelos legumes: tomate, cebola, cenouras

- Hoje, a mesma região que teve mais de 100 fábricas -  30 de Vila Real, sete em Tavira, cerca de 40 em Olhão, 30 em Portimão e duas em Lagos - não tem atum, nem tão pouco frota pesqueira para o capturar. 

Ciclo de oscilações na indústria conserveira algarvia
1914-24 - Fortíssima expansão (época de ouro)
1925-27 - Crise (*)
1928-31 - Expansão
1932-33 - Crise

(*) - Nos idos de 1925, a crise da pesca na costa do Algarve fora avassaladora, «tendo fechado já as suas portas talvez 90% das fábricas de conservas, cujos operários se vêem abraços com a miséria»

(*)
[JOAQUIM MANUEL VIEIRA RODRIGUES
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
Lisboa 1997]

Para Memória Futura - Registo de chaminés - Restam 7

1 - Fábrica de São Francisco - Júdice Fialho (1904-???) 
Chaminé e edifício destruído para construção do actual porto de cruzeiros e da Marinha

2 - Fábrica Facho, Ltdª (1923-1981)
Fábrica do Facho - Ruínas finais do século XX


Fábrica Facho, Ltdª ,  Estrada da Rocha (século XXI)
(Actual Júpiter Marina Hotel) 
Exemplar de conservas produzida na Fábrica do Facho


3 - Fábrica São Francisco - Feu Hermanos (1902-1980)
Fábrica Feu Hermanos (Rua D. Carlos) 
(Actual Museu Municipal)


Uma das marcas de conserva produzida na Fábrica Feu Hermanos

 4 - Fábrica Merconhil (Bivar & Cª Ldª)

Fábrica Merconhil (Bivar & Cª Ldª) - Rua D. Carlos 


Uma das marcas de conserva produzida na Fábrica Bivar

5 - Fábrica  Liberdade, de Liberdade, Ldª, (Mendes, Ferrari, & Furtado, Ldª)

Uma das marcas de conserva produzida na Fábrica Liberdade

Para memória fica o arruamento entre a Rua Dom Carlos I e a Avenida Guanaré


6 - Fábrica Encarnada, de Portugal Industrial, Ldª 



Rua D. Carlos I, Sítio da Fábrica, (Actualmente é um espaço habitacional e de serviços)
Uma das marcas de conserva produzida na Fábrica Encarnada



7 - Fábrica Esperança (Cristóvão de Brito & Gomes, Ldª)


8 - Fábrica "A Portuguesa" Empresa Fabril de Conservas


9 - Fábrica da Marinha, de Severo Ramos, Ltdª
(Sem registo)


Uma das marcas de conserva produzida na Fábrica Severo Ramos

10 - Fábrica de São José, Júdice Fialho. Ltdª (1892)

Uma das marcas de conserva produzida na Fábrica São José 


12 - Fábrica de Santa Catarina, Sociedade de Conservas de Santa Catarina, mais tarde Manuel do Ó




13 - Fábrica da Boa Vista


Fábrica da Boa Vista - Rua de São Pedro
(a poente dum posto de  Bomba de Gasolina do "hiper" Aqua)


Cartaz publicitário da Fábrica da Boa Vista




Nas duas margens do rio Arade, no seu curso final antes do encontro com o Atlântico, laboravam:

* margem direita 13 unidades industriais;

* margem esquerda (Lagoa - Parchal e Ferragudo) 11 unidades.

Hoje, em Portimão, é confrangedor ver o que resta de tão importante indústria local de há 100 anos. 
De mais de duas dezenas de fábricas de conservas, só restam as ruínas de algumas, outras desapareceram para dar lugar a blocos de apartamentos,  centros comerciais e de sete restam, para memória futura, as suas altas chaminés de tijolo vermelho, que já não fumegam mas que ainda dão guarida a casais de cegonhas! e enfeitam a paisagem. 

Uma das fábricas mais emblemáticas na época -Feu Hermanos-  foi transformada em Museu Municipal desta extinta indústria local e Facho foi demolida e reconstruído naquele espaço o Júpiter Marina Hotel.


PARCHAL


No Parchal, em 2015 , très artesãos conserveiros   reuniram-se e construíram uma unidade artesanal do fabrico de conservas, tudo com produtos locais desde o peixe, até ao sal e passando pelos legumes: tomate, cebola, cenouras



Os principais portos de pesca no Algarve localizaram-se em Vila Real de Santo António, Tavira, Olhão, Portimão e Lagos

Economia à volta da Indústria Conserveira:
Pesca, Construção Naval, Estaleiros Navais, aparelhos de pesca redes, Salinas, Litografia, Construção Imobiliária (a quase totalidade das fábricas construiu habitações para os seus operários e muitas vezes "bairros operários" - Bairro do Pontal (1943) Bairro Operário, Rua dos Operários, Conserveiros, Bairro da Boa Vista entre outros ou levantou grandes armazéns, Agricultura (produção de azeite, óleos, madeiras, e matéria prima secundária como  pimento verde, tomate, cenoura, cebola, salva, cravo de cabecinha e louro")